Fiz dez anos de terapia. O diagnóstico todo da minha maluquice podia ser resumido como "sofrer por antecipação", um mal que me afligia desde a mais tenra infância. Já devo ter dito aqui, mas lembro como se fosse hoje de, aos 8 anos, não entender como os meus colegas de aula podiam brincar tão despreocupadamente na hora do recreio enquanto uma guerra comia solta logo ali, na Argentina.
Posso dizer que minha santa terapeuta – com a minha ajuda, claro – me salvou deste mal. Parei de sofrer por antecipação. O problema foi que, em compensação, eu parei de antecipar as coisas de um modo geral. Parei de esperar pelas coisas, de imaginar as coisas dando certo. Na verdade, passei a esperar o pior, porque daí, quando o pior não acontece, acabo me sentindo uma felizarda. De certa forma, tem funcionado.
Quando me envolvo em algum projeto pessoal, eu me empenho na realização dele, mas não idealizo nada. Busco o melhor possível, mas não o imagino pronto, e penso sempre no pior cenário possível, para não me frustrar com o resultado concreto. E a verdade é que, na maioria absoluta das vezes, acabo me surpreendendo positivamente com o resultado. Dei a isso o nome de "pessimismo otimista".
Eis que agora, com a acupuntura e a yoga me ajudando a mudar a minha forma de ver o mundo, estou sendo cada vez mais incitada a "gozar por antecipação", a visualizar o que quero como se a coisa estivesse pronta e acabada. Linda, perfeita e maravilhosa. Dizem que isso ajuda o nosso desejo a se concretizar. Só que o meu lado "analisada" ainda resiste. E se a coisa NÃO se concretizar?
O curioso é que profissionalmente eu já ajo dessa maneira. Sempre agi. Quando começo um novo trabalho, o que imagino pronto É o melhor possível. Felizmente, lá no fim da linha costumo realmente encontrar aquilo que idealizei. Pois hoje de manhã, no meio do relaxamento da aula de yoga, tive esse insight. Por que não repetir nos projetos pessoais o que faço nos profissionais?
Ãnfã (no feliz dizer dos franceses), não sei se vocês notaram, mas faz uns dias que troquei o meu motto ali de cima. Em vez de "Faça como eu digo, faça como eu faço, aja duas vezes antes de pensar", um verso da música que toquei quando fui receber o diploma na minha formatura. Porque ultimamente eu me flagrei várias vezes pensando antes de agir, sendo mais parecida com a adolescente cheia de sonhos que já fui. E isso parece estar fazendo de mim uma pessoa um pouco melhor.
E eu me dou conta de que talvez esses dez anos que separam a minha formatura (e a morte do meu pai) de hoje tenham sido necessários para eu fechar o ciclo do pessimismo como otimismo e passar ao ciclo – aparentemente mais maduro – do simples otimismo. Porque, afinal, se EU não acreditar que as coisas vão dar certo, quem mais vai?
Claro que tem um pedacinho de mim que ainda não entende como eu posso me divertir assistindo a uma comédia romântica enquanto aqui do lado tem criança se matando em briga de traficante, como posso dançar até cansar enquanto do outro lado do mundo guris se explodem em nome de uma causa que não compreendem muito bem e levam várias vidas junto com eles, como posso apreciar a leitura de um belo livro enquanto milhões de pessoas não têm sequer o que comer...
Claro que outro pedacinho de mim morre de medo de querer muito uma coisa e não conseguir e de acabar frustrada e se sentindo a última das criaturas, de se expor dessa maneira diante dos leitores que estão em muitos lugares, vários dos quais nem conheço – o alcance desse blog às vezes me assusta. Só que o que eu quero mesmo hoje é pedir licença, porque eu vou botar meu otimismo de novo em campo.