Sobre o voto nulo
A Marcela sugeriu nos comentários do post abaixo que eu falasse sobre o voto nulo, que, aparentemente, rendeu alguma polêmica entre blogueiros nos três dias que passei isolada do mundo (em breve, falarei sobre isso). Ainda sem ler o que o Marcelo Träsel escreveu, para não me influenciar, vou opinar aqui conforme o que sinto agora: sou a favor do voto nulo como sou a favor de qualquer voto, mesmo daquele do qual discordo com todas as forças.
Quem sou eu para patrulhar voto alheio? Claro que me decepciono às vezes com a forma como votam algumas pessoas a quem respeito, mas não me vejo em posição de convencê-las de nada, assim como espero que não tentem me convencer de nada. Por princípio, não anulo voto. Só não posso negar que calar-se também é uma forma de manifestação.
Não faço campanha. Não sei fazer. Não consigo fazer campanha nem para o meu sogro, que acho que merece muitos votos não apenas pelo ser humano fantástico que é como também por suas posturas e crenças políticas. Só que é frustrante perceber que não basta ser um bom político (e existem muitos) para ganhar uma eleição. É preciso dinheiro, influência e estômago para suportar a falta de escrúpulos e a hipocrisia que estão tão presentes na política como em qualquer outra área do relacionamento humano.
Agora, à tese do Träsel, indicada pela Marcela ;-)
...
Hm. (Decepção.) Ele prega o voto nulo pelos motivos mais pueris. Tenho um pouco de pena de quem vai levar tanta mágoa para as urnas em outubro. Ao mesmo tempo sinto um pouco de inveja. Eu gostaria de ter tido a capacidade de um dia acreditar que haveria um salvador da pátria, alguém que teria a tal "vontade política" para fazer de um tudo apenas no canetaço, alguém acima do bem e do mal, alguém sem culpas nem pecados. Infelizmente, tive uma formação política que nunca me permitiu nutrir qualquer tipo de ilusões do gênero.
Meu pai era um homem com idéias de esquerda e uma crença até exagerada na honestidade e na correção – o que talvez explique em parte a formação do câncer de estômago que o matou. Coerentemente, vejo isso hoje, nunca se filiou a um partido, mas sempre fez questão de decidir cada voto com base em muito conhecimento. Ele, aliás, foi um dos muitos que não escolheram nem Lula nem Collor no segundo turno de 1989, algo de que, depois, dizia se arrepender. Com ele, desde muito cedo aprendi a considerar risíveis observações excessivamente simplistas como "nenhum político presta", "a culpa é do governo", "contra tudo o que está aí", "falta vontade política".
Em 1994, menos de dois anos antes de ele morrer, tivemos uma briga feia por motivos eleitorais. Desde o primeiro turno, meu pai, o homem cuja opinião eu mais prezava no mundo, estava decidido a votar no Fernando Henrique. "É o melhor candidato", dizia ele. "MAS ESTÁ ALIADO AO PÊÉFEELE!", gritava eu. "AO PÊ-ÉFE-ÉLE!!!!" Na minha cabeça, esse voto contradizia tudo o que ele sempre havia me ensinado. Achei que estava sendo traída e, como forma de protesto contra aquela traição, anulei meu voto para presidente (meu primeiro voto para presidente): votei no Brizola.
Já em 1995, consegui compreender o que ele queria dizer. Desde então, nunca mais anulei um voto. Sempre votei depois de pensar bem (apesar de, mesmo assim, ter me arrependido depois em algumas ocasiões) e dediquei aos meus candidatos a quantidade de confiança moderada que se deve dedicar a um representante. Nunca achei que algum deles acabaria com a fome, a injustiça, a miséria e a roubalheira, mas sempre confiei que eles fariam o que eu faria se estivesse no lugar deles: tudo o que o alcance limitado de seus mandatos lhes permitisse fazer.
Desde 1996, meus votos são uma salada partidária, embora ainda concentrada mais para o lado esquerdo do espectro (aprendi a tapar o nariz para algumas alianças, sempre rezando para o titular da chapa não morrer nem deixar o cargo antes do tempo). A medicina, o direito, a engenharia, a academia, o jornalismo todos têm gente abominável e admirável ao mesmo tempo.
Mesmo entre os amigos há os abomináveis e os admiráveis. São os admiráveis que me permitem continuar indo a médicos, confiando no sistema judiciário, acreditando que o teto da minha casa não vai cair na minha cabeça, desejando voltar a estudar e acreditando no que leio nos jornais, nas revistas e nos sites – claro que levando em conta o percentual de abomináveis por trás disso tudo.
Em suma, como disse lá no começo, entendo, respeito e sou até a favor do voto nulo. Só que ele não me serve mais.
3 Falaram:
Aliás, acabo de me dar conta de uma coisa assustadora: a alternativa para escolher entre dois "candidatos ruins" não me serve de forma alguma!
pois é. bom, como as minhas manifestações no blog do Träsel, digo aqui também: eu anulo. ANULALÁ é meu lema. o menos pior não me serve. e quero a cédula de papel de volta para poder escrever um monte de desaforos...
Como eu disse ali no post, Marcela: motivos pueris. Atitudes pueris...
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