quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Este texto saiu na Época de 26 de janeiro. Tão em sintonia com a minha nóia, que vai aqui sem precisar de comentários e certamente com um texto muito mais eficiente do que seria o meu. Do Luis Fernando Verissimo do século 21, Ricardo Freire:

O mesmo encontra-se

Nesta semana, vamos dar continuidade ao Inventário Xongas dos Grandes Problemas Nacionais. Em colunas anteriores, tivemos a oportunidade de vociferar, entre outras mazelas, contra o gerundismo, o telemarketing intrusivo, a não-adoção do horário de verão pela Bahia e o avanço das cadeiras de plástico pelas areias brasileiras. Desta vez vamos nos debruçar sobre outro assunto da mais grave importância: a maldita e onipresente plaquinha 'Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado no andar'.

Que eu me lembre, a coisa começou em São Paulo, na década de 90, quando a Câmara de Vereadores, em mais uma tarde sem mais o que fazer, aprovou uma lei municipal obrigando todos os edifícios da cidade a afixar tal plaqueta ao lado dos elevadores. Ao contrário de 99,9% das leis, úteis ou fúteis, aprovadas por Câmaras de Vereadores, esta pegou. Por um simples motivo: o fiscal da plaquinha já estava contratado - era o mesmo fiscal do extintor, da revisão do elevador e da porta de incêndio. Rapidinho, todos os edifícios da cidade acudiram a encomendar suas plaquinhas, do mesmo jeito que, anos depois, eu e você fomos correndo comprar estojinhos mambembes de primeiros socorros para deixar no porta-luvas do carro.

Com o tempo, era de esperar que a plaquinha caísse em desuso, ou a que a Câmara paulistana caísse no ridículo - como aconteceu, em âmbito nacional, no caso dos estojinhos de primeiros socorros. Mas não. Em vez de serem revogadas em São Paulo, as placas dos elevadores foram adotadas por mais e mais cidades Brasil afora. Aonde quer que vá, o indivíduo honesto e pagador de impostos agora é obrigado a verificar se o mesmo (argh) encontra-se (sic) parado, zanzando ou escangalhado. O pior de tudo é que ninguém, em lugar nenhum, atinou de melhorar o estilo ou consertar a esquisitíssima colocação de pronome na frase. Qualquer vigia noturno com o primário completo escreveria 'Antes de entrar, verifique se o elevador está no andar'.

O quê? Você nunca percebeu que a placa era mal escrita? Como? Você nem sequer reparou que essa placa existia? Pois esse é o ponto. Essa detestável placa só é notada por pessoas paranóicas feito eu. Gente normal, como você, não dá a mínima bola para ela. E indivíduos distraídos a ponto de cair no poço do elevador jamais perceberão sua existência. Não, você jamais lerá no jornal a história do distraído que ia cair no poço, mas, num relance, leu a placa, verificou se o mesmo encontrava-se, e se salvou.

A placa do elevador, esse nosso pequeno e mal escrito acesso de lógica lusitana, é motivo de chacota até em Portugal. Tenho comigo o recorte do jornal português em que o articulista teme pelo futuro de um país cujos passageiros de elevador precisam ser instados a verificar se o mesmo encontra-se.

Tomara que nenhum vereador paulistano se dê conta do perigo que é andar na rua. Senão, qualquer dia desses, todas as esquinas serão obrigadas a ostentar plaquinhas de advertência: 'Antes de atravessar a rua, verifique se a mesma encontra-se livre de veículos em movimento'.